A religião na pré-história
"No momento infinito
a Deusa se elevou do caos e criou tudo aquilo que é, foi e será"
Trecho do mito Wiccaniano da Criação
A mente humana, há 30.000 anos, tinha começado
seu processo de buscar explicações sobre os mistérios da vida, assim como
fazemos hoje. A arte associada com a revolução humana daquela época é
indispensável para apoiar a teoria de que o Homo Sapiens possuía certas
crenças espirituais. A arte e religião sempre tiveram um relacionamento
inextricável entre si. O fio comum que une todas fés modernas é melhor
explicado através da definição do termo religião.
O antropólogo J. G. Frazer define religião como "uma propiciação ou conciliação de
poderes superiores ao homem que acredita-se dirigir e controlar o curso
da natureza e da vida humana".
Num nível básico, é o Xamã que cumpre este
papel. É o Xamã que é capaz de interceder e interpretar tais
relacionamentos. O Xamã compartilha um relacionamento íntimo com o reino
espiritual como Joseph Campbell explica:
“O xamã é um tipo
particular de homem curador, cujos poderes podem causar a cura ou a
doença, podem comunicar-se com o mundo além, prever o futuro, e podem
tanto influenciar o tempo como o movimentos de animais cuja gravidez
acredita-se ser derivada de suas relações sexuais com espíritos vislumbrados.
“
Apesar do fato de o Xamanismo não gozar nem a
popularidade nem o número elevado de seguidores das religiões mais
importantes do mundo, o Xamã continuou a praticar uma arte que permaneceu
relativamente inalterada desde tempos imemoráveis. As raízes do Xamanismo
pré datam todas as religiões atuais do mundo. Embora o Xamanismo seja
encontrado principalmente em sociedades caçadoras e simples ao redor do
mundo, sua influência pode muito bem ser encontrada em praticamente todas
as culturas e religiões hierarquicamente mais complexas. Para evidenciar
tal hipótese é necessário seguir o progresso do Homo Sapiens arcaicos,
conforme eles se desenvolveram no Homo Sapiens modernos. O artista e Xamã
eram provavelmente uma só pessoa no período Paleolítico.
Por seus poderes mágicos de recriar animais nas
paredes das cavernas de templo, eles - os artistas-xamãs – conectaram-se
com a fonte da vida que animava tanto
os humanos quanto os animais, tornando-se se
veículos dessa fonte, criadores da forma viva, assim como a fonte dela. A
arte foi a forma de comunicação dos primeiros Homo Sapiens. As pinturas
dos Homo Sapiens modernos encontradas nas paredes das cavernas como Trois
Freres e Lascaux na França, representam algo mais que meras
representações de animais como vistos em suas vidas diárias pelos
artistas.
Como Jung explica:
“uma palavra ou uma imagem é simbólica
quando encerra algo mais que seu significado imediato óbvio....Como há
inumeráveis coisas além do alcance de entendimento do ser humano, nós constantemente
usamos termos simbólicos para representar conceitos que não podemos
definir ou plenamente compreender. Esta é a razão pela qual todas
religiões empregam uma linguagem simbólica ou imagens.”
O trabalho de arte achado dentro destas cavernas
do Paleolítico Superior foram pintadas por indivíduos com um propósito
maior em mente do que apenas retratar a vida animal cotidiana deles.
Aliás, a maioria dos trabalhos de arte achados no fundo destas cavernas
não eram facilmente acessíveis. O trabalho de arte foi realizado para
dizer algo além do mundo, do simples. O Dr. Herbert Kuhn descreve sua
visita a Trois Freres e a dificuldade de alcançar o interior das câmaras
da caverna:
“O chão é úmido e
lamacento, temos que ser muito cuidadosos para não escorregar por entre
as rochas. Sobe-se e desce-se, então vem uma passagem muito estreita pela
qual você tem que rastejar.... a galeria é grande e longa e então aí vem
um túnel muito baixo.... o túnel não é muito mais amplo que os meus
ombros, nem alto. Posso ouvir o outros a minha frente ofegando e ver o
quão lentamente suas lanternas deslizam. Com os nossos braços
pressionados contorcemo-nos adiante nossos estômagos, como cobras. A
passagem possui apenas um pé de altura alto, de modo que deve-se colocar
seu face diretamente no chão. Senti-me como se rastejássemos por um
caixão.”
Foi sugerido que a arte achada nas paredes desta
caverna representa alguma forma de magia ou cerimônia religiosa. O
esforço que exige alcançar estas câmaras interiores ao menos elimina a
possibilidade de uma expressão artística simples. Joseph Campbell
considerou a câmara de Trois Freres, bem como toda a caverna, um centro
importante de caçadas mágicas, que serviam a propósitos mágicos. As
pessoas responsáveis devem ter sido altamente respeitadas e/ou magos
habilidosos. Seja lá o que tenha sido feito nessa caverna, o fato é que
seus registros apontam para cerimônias proeminentes, importantes e
mágicas. Um dos trabalhos mais intrigantes de arte encontrados no período
Paleolítico Superior, sugerindo a Espiritualidade humana, é a pintura
conhecida como o Feiticeiro de Trois Freres. Um misto de animal com
características de ser humano, o Feiticeiro obviamente representa algo
além que a interpretação simples de um animal de caça.
Os recantos escuros e fundos das câmaras e
cavernas teriam propiciado situações ideais para os Xamãs. A escuridão e
a experiência de isolamento dentro destas cavernas de labirinto teriam
ajudado a induzir um transe hipnótico e visões de Xamanísticas. Dentro
dos recantos fundos destas cavernas em luz indistinta ou em escuridão
total, o artista-xamã praticou a sua arte, sua magia, com a esperança de
comunicar-se com os espíritos dos animais. Talvez estas cavernas serviram
como centros para ritos de fertilidade, rituais de iniciação e ritos
probatórios da maturidade, com "O Feiticeiro de Trois Freres"
dirigindo as cerimônias. O que se torna claro é que as cavernas
Paleolíticas como Trois Freres e Lascaux provavelmente eram centros de
alguma importância espiritual. O trabalho de arte refletiu algo mais que
somente uma representação do mundo natural, refletiram uma forma de
simbolismo conhecido talvez somente pelo artista-xamã e para a sociedade
em que ele trabalhou. Muitos foram os elementos xamânicos que estiveram
presentes na crença espiritual dos primórdios da humanidade como a crença
em um Ser Superior, de caráter celeste, em espíritos divinos, que
intervêm na vida dos homens e em suas atividades, os transes extáticos,
invocação e domínio do mundo dos espíritos. Os ritos destes primeiros
povos eram na maioria das vezes do tipo socioeconômico (ritos de caça, de
pesca, de guerra), notando-se a ausência de um culto especifico a alguma
figura divina nomeada. Resumindo, podemos dizer que os primeiros grupos
humanos não chegaram a um conceito claro da divindade, menos ainda a
cultuar uma deidade única. A vida errante, a que foram compelidos pelas
condições adversas do clima e pelas continuas lutas entre os grupos,
impediram a elaboração mais refinada de suas crenças e o desenvolvimento
de um culto específico. No entanto, nesse passado histórico são
encontrados inúmeros vestígios de religiosidade na pré-história. Entre os
Homens de Crô-magnon encontramos indícios de rituais religiosos como o
sepultamento dos mortos. A religiosidade se manifestava nas principais
preocupações do cotidiano e no nível de desenvolvimento dos povos. No
período paleolítico (100.000 a 30.000 AEC), da pedra lascada, do
predomínio da caça, havia a crença numa potência superior e a ela eram endereçadas ofertas para que,
em troca, tivessem multiplicadas a caça e a prole. No neolítico (de
10.000 a 5.000 AEC.), iniciou a civilização urbana, com avida sedentária,
surgindo problemas de hierarquia social e administrativa e a religião se
complexificou na mesma medida. A idéia de um ser supremo, que se esboçou
no paleolítico, começa neste período a ser encoberta por uma série de
entidades divinas, mais próximas do homem, representando as forças
atmosféricas (o vento, a chuva, tão importantes na agricultura).Tanto na
época dos caçadores nômades, como na dos agricultores sedentários, há uma
vivência de um cosmos sacralizado. O mundo é vivido como algo carregado
de valores e significados.
Assim, para o homem religioso, o Cosmos 'vive' e
'fala'. A própria vida do Cosmos é uma prova da sua sacralidade, pois ele
foi criado pelos Deuses e os Deuses mostram-se aos homens através da vida
cósmica e da natureza.
Essa vivência parece revelar uma experiência de
integração do ser humano com a natureza e uma disposição para conhecê-la.
Provoca uma imagem de um ser humano humilde frente a extraordinária
criação do universo e dos seus mistérios.
Para o homem das sociedades arcaicas, tudo era
passível de tornar-se sagrado.
Avida humana se desenrolava paralela a uma vida
sacralizada, do Cosmos ou dos Deuses. Os rituais não eram reservados
apenas para determinadas ocasiões ou atividades específicas, mas
envolviam atividades rotineiras como: as refeições, atos sexuais,
cumprimentos, o acordar e o adormecer. A religiosidade foi uma maneira, a
primeira talvez, através da qual, se construiu um conhecimento sobre os
ritmos, ciclos e funcionamento do universo. Os homens primitivos tinham
complexos sistemas simbólicos com correspondências micro-macro cósmicas
como: a assimilação do ventre à gruta, das veias e das artérias ao sol e
a lua. Um outro exemplo é a comparação da vida sexual aos fenômenos
cósmicos como as chuvas e a semeadura, se dizia que as chuvas
fertilizavam a terra. Na cultura primitiva, antes do aparecimento das
cidades e das tribos, na cultura dos povos coletores, a religião servia
ao principal propósito de garantir a unidade do grupo e a sobrevivência
dos seus membros. Através dela, o homem dá início às reflexões sobre o
mistério da vida, fomentada por uma comunicação mais intensa entre os
grupos humanos. Na mesma época, surge o totemismo. Nas culturas tribais,
as famílias se unem em grupos maiores para segurança e maior eficiência
na caça, e, na religião, se incrementam os ritos de iniciação dos jovens.
Na medida em que a humanidade se desenvolve, a religião acompanha essas
mudanças. Quando a população das culturas superiores cresceu, isso exigiu
maior organização social, política e religiosa. A religião, então, passou
a alcançar maior sofisticação para atender interesses coletivos incorporando
então poderes políticos, por exemplo.
MÃE DO TEMPO – ESTATUETAS
PALEOLÍTICAS

A Vênus de Laussel é
uma estatueta da Deusa datada do período Paleolítico. Ela aparece com
um chifre nas mãos com treze marcas, numa alusão aos 13 meses do antigo
calendário lunar das culturas ancestrais.
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De todos os pensamentos e formas de
culto encontrados na pré-história, o de uma Divindade criadora
feminina, a Deusa, parece ter sido o mais central e desenvolvido.
Estatuetas de Vênus é um termo amplo para um número de itens
pré-históricos, principalmente em forma de estátuas de mulheres obesas
ou grávidas, esculpidas no período Paleolítico Superior e achadas na
Europa. Estão entre os objetos de cerâmica mais antigos já conhecidos.
São consideradas por muitos estudiosos ícones da fertilidade e
representações do arquétipo da Grande Mãe. Elas são feitas de pedra,
osso, barro e foram descobertas perto dos restos de paredes das
primeiras habitações humanas. Estas estátuas foram encontradas na
Espanha, França, Alemanha, Áustria, Checoslováquia e Rússia e a maioria
delas tem mais de dez mil anos. A Vênus de Willendorf é talvez a
estatueta Pleistocena mais famosa. Esta pequena estatueta é
representada com seios e nádegas exagerados. Esta figura foi feita na
Idade da Pedra há mais de 20.000 anos e forma nossas impressões da
primeira Deusa Mãe Primordial. O acento sexual nos seios femininos e
nádegas é considerado, por muitos, um sinal de fertilidade. Estas
estatuetas sem forma são predominantes nas esculturas Pleistocenas. Há
mais de cinqüenta figuras deste período encontradas e entre elas
somente aproximadamente cinco masculinas são conhecidas. Nem todas as
estatuetas femininas são protuberantes e gordas, mas a maioria se
assemelha a Vênus de Willendorf. É comum que a barriga e seios sejam
desproporcionais.
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A cabeça e braços são demonstrados relativamente
sem importância em relação ao meio do tronco. As coxas tendem a ser
exageradas com pernas menores. As Deusas Primordiais do Pleistoceno só
podem representar símbolos de fertilidade. O mundo Pleistoceno representa
a mudança do Homo Neanderthalensis para Homo Sapiens. É um mundo que
desperta com a arte das cavernas e expansão geográfica.
Dois achados arqueológicos mais antigos também
são categorizados como estatuetas de Vênus
- a Vênus de
Berekhat Ram , que data entre 800.000 e233.000 AEC;
e a Vênus de
Tan-Tan, que data entre 500.000 e 300.000 AEC.
Achadas na Ásia e África respectivamente, elas
foram feitas de pedra em vez de cerâmica. Ambas estatuetas são muito
ásperas e podem ter tomado a forma humana por processos geológicos
naturais. No entanto, o Vênus de Berekhet Ramtem estriamentos sugerindo
ferramentas e trabalho humano em pedra e a Vênus de Tan-Tan, possui
evidências de ter sido pintada: uma substância gordurosa encontrada na
superfície da pedra contendo ferro e manganês indica que ela foi decorada
por alguém e usada como uma estatueta religiosa, independentemente de
como tenha sido formada. As estatuetas das Vênus neste contexto podem ser
vistas pela perspectiva animista da mente primária por meio de uma
mentalidade que vê o mundo como vivo e entrelaçado com a vida humana. As
figuras e as visões dos seres humanos e animais na forma da arte das
cavernas fornecem uma ligação forte entre seres humanos e o mundo natural.
As estatuetas Paleolíticas logicamente podem se encaixar nesta visão
assumindo-se que elas eram parte de uma ênfase maior na fertilidade -
seja tanto apontando ao aumento mágico dos animais, quanto a fertilidade
humana.
Erich Neumann advoga que a Deusa é um símbolo da
Terra por si mesma. Postula que a Deusa freqüentemente é retratada como
se estivesse a se sentar. Ele tira suas teorias de imagens e figuras
primitivas da Deusa que freqüentemente são retratadas sentadas em
"tronos" como apoio para uma crença mais ampla deque a Deusa é
um símbolo da Mãe Terra. Neumann também advoga que a Deusa Primordial
pode representar uma montanha e ele fornece vários exemplos de figuras de
Deusa associadas com montanhas em suas obras. Descobertas recentes
mostraram que durante o período 6500 a 5700 AEC, a Grande Deusa permeava
todos aspectos da vida de Çatal Huyuk, a mais antiga cidade que se
conhece do período Neolítico, na Antiga Anatólia. Çatal Huyuk foi uma
aldeia agrícola primitiva da Anatólia (Turquia moderna). Foi descoberta e
escavada por James Mellaart nos anos de 1950. O povo de Çatal Huyuk
especializou-se em produção de obsidiana, criação de gado, olaria e
fabricação de cesta. O local data aproximadamente de 6.000 a 7.000 AEC e
representa uma aldeia Neolítica relativamente grande para a época. A
arquitetura inclui construções de casas domésticas e santuários. A imagem
central da Deusa cultuada por este povo era a de uma mulher jovem, dando
a luz e uma mulher mais velha. A Deusa era representada em santuários em imagens
esculpidas ou pintadas na parede. Os touros representam outra imagem
encontrada em santuários deste povo e foi considerada pelos estudiosos
como sendo a imagem masculina do Sagrado, o Deus. Várias estatuetas
masculinas foram achadas em Çatal Huyuk, mas a imagem da Deusa ultrapassa
em número as figuras do Deus. A Deusa parece ter sido a única
característica importante proeminente e foco da cultura naquela época.
James Mellaart foi capaz de reconstruir muito da vida religiosa,
econômica e social estudando as sepulturas, a organização de família, as
fontes de sua riqueza, suas decorações de santuários e suas estatuetas
esculpidas. Achou evidências de práticas avançadas em agricultura e
estoque, numerosas importações e um negócio florescente em matérias-primas
(como a obsidiana) assim como planejamento urbano arquitetônico. As
imagens de Çatal Huyuk da Deusa retratam-na sentada num trono de felinos,
como se ela estivesse voando no ar com seu cabelo fluindo no vento, como
um abutre e/ou como uma flor. O nascimento era um tema central em muitas
das descrições dos santuários. Na escavação, Mellaart interpretou os
santuários como lugares de nascimento. O chão e paredes eram pintados de
vermelho, uma cor dominante encontrada por toda Çatal Huyuk. Mellaart achou
evidências de que o leopardo era considerado sagrado e pode ter sido a
corporificação simbólica da Deusa.
Num dos santuários, foi encontrada uma Deusa dentro de uma caixa de
grãos, retratada no ato de dar à luz e descansando entre dois leões ou
leopardos. Comumente este trono toma a forma de leões ou. Estas imagens
formam parte da teoria base de Neumann, citada anteriormente, de que a
Deusa representa Mãe Terra. Os leões, leopardos e chifres de touro
freqüentemente são achados ao lado da Deusa, aos seus pés ou usados como
ornamentos. Na maioria dos casos, a Deusa senta-se como se estivesse num
trono.
Anne Baring e Jules Cashford afirmam que "tais imagens da Deusa com chifres de
carneiros e touros encontradas em Çatal Huyuk mostram afinidade com a
civilização da Europa antiga mas também com cultura Minóica.”
(Fonte: Wicca para Todos, Claudiney
Prieto)
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